Entre Maxwell, Cooper e as fake news: a verdade científica sobre o 5G e as abelhas
Das equações de Maxwell ao primeiro celular de Cooper, a trajetória das telecomunicações é marcada por avanços científicos sólidos. Mesmo assim, persistem mitos sobre o 5G e seus supostos efeitos biológicos. A ciência e a regulação mostram outra realidade.
Circulam nas redes sociais boatos de que o 5G faria abelhas abandonarem colmeias. A física, a biologia e a engenharia mostram que não há base científica nessa hipótese: a radiação do 5G é não ionizante, fraca e opera dentro de limites seguros definidos por normas internacionais.
A base das telecomunicações começa quando James Clerk Maxwell unificou a eletricidade e o magnetismo, provando que esses fenômenos existem em conjunto. Maxwell avançou em relação aos estudos de André-Marie Ampère, que havia demonstrado que toda carga elétrica em movimento gera um campo magnético, e também ampliou os trabalhos de Michael Faraday e Heinrich Lenz, que haviam comprovado o fenômeno da indução eletromagnética.
Em seu desenvolvimento teórico, Maxwell buscou preservar a coerência entre a equação da continuidade e a Lei de Ampère, introduzindo o conceito de corrente de deslocamento como solução para o equilíbrio entre essas formulações. Essa contribuição permitiu completar o sistema de equações que descreve o comportamento conjunto dos campos elétrico e magnético, unificando-os em uma teoria capaz de explicar tanto os fenômenos estáticos quanto os dinâmicos.
A corrente de deslocamento garante a adequação entre a equação da continuidade e a Lei de Ampère, assegurando a conservação de energia em sistemas eletromagnéticos. Maxwell percebeu que, em um circuito onde o campo elétrico varia no tempo, como no interior de um capacitor durante o carregamento, existe uma região onde não há corrente elétrica conduzida por elétrons, mas o campo elétrico variável gera um efeito equivalente, produzindo linhas de fluxo magnético. Essa correção completou a simetria das equações de Maxwell e permitiu explicar fenômenos oscilatórios e de propagação que até então não eram compreendidos pela física.
A equação de Maxwell conhecida como Lei de Ampère-Maxwell, ao introduzir o conceito de corrente de deslocamento, é a equação fundamental que torna possível a propagação das ondas eletromagnéticas. Sua combinação com a Lei de Faraday-Lenz da Indução Eletromagnética demonstra que campos elétricos e magnéticos variáveis no tempo se regeneram mutuamente e se propagam no espaço, constituindo a base física das telecomunicações e de toda a tecnologia moderna de transmissão de sinais sem fio.
Esse avanço conceitual permitiu compreender matematicamente a propagação das ondas eletromagnéticas, pois as equações de Maxwell são a base da equação de Helmholtz, que descreve como as ondas se propagam no espaço. A comprovação experimental dessa teoria foi realizada posteriormente por Heinrich Hertz, que demonstrou a existência das ondas eletromagnéticas previstas por Maxwell, inaugurando o caminho que levaria à invenção do rádio, da televisão, dos satélites e, por fim, das redes de comunicações móveis modernas.
Mais de um século depois, em 3 de abril de 1973, o Engenheiro Eletricista Martin Cooper, da Motorola, realizou a primeira chamada móvel da história com o DynaTAC 8000X, um telefone de 1,1 kg cuja bateria durava apenas 25 minutos. Formado em Engenharia Elétrica pela Universidade de Illinois e pelo Instituto de Tecnologia de Illinois, Cooper liderou a equipe que transformou o conceito de comunicação pessoal em realidade, inaugurando a era dos telefones celulares e abrindo caminho para a evolução das redes móveis que culminaria no 5G.
Nos últimos dias, circularam nas redes sociais publicações afirmando que a radiação emitida pelas antenas de telefonia 5G estaria fazendo com que abelhas abandonassem suas colmeias. A hipótese, apresentada de forma alarmista e amplamente compartilhada em vídeos e grupos de mensagens, reacende o debate sobre a relação entre tecnologia, meio ambiente e informação. Esse tipo de conteúdo, contudo, precisa ser analisado à luz da ciência, da engenharia e da regulação técnica, e não com base em especulações.
A primeira distinção fundamental é entre radiação ionizante e não ionizante. A radiação ionizante, como a dos raios X e das partículas alfa e beta, possui energia suficiente para alterar a estrutura atômica da matéria, rompendo ligações químicas e provocando efeitos biológicos potencialmente nocivos.
A radiação é considerada ionizante quando possui energia suficiente para remover elétrons de um átomo, formando íons. Esse fenômeno ocorre quando a energia transportada por cada fóton, a partícula elementar associada à radiação eletromagnética, é maior que a energia de ligação do elétron ao núcleo atômico. Em termos físicos, isso significa que a radiação tem força suficiente para quebrar a ligação entre o elétron e o átomo, alterando sua estrutura.
A energia de um fóton depende diretamente da frequência da radiação. Quanto maior a frequência, maior a energia associada. É por isso que radiações como os raios X e os raios gama são classificadas como ionizantes, pois possuem altíssimas frequências e, portanto, energia suficiente para provocar ionização e danos biológicos.
Entretanto, as radiações não ionizantes, entre as quais se enquadram as ondas de rádio, televisão, Wi-Fi e 5G, apresentam frequências muito mais baixas, o que significa que a energia de seus fótons é incomparavelmente menor. Essa energia é incapaz de romper ligações atômicas ou causar ionização, produzindo apenas o efeito térmico, ou seja, um leve aquecimento local quando a energia é absorvida, muito abaixo de qualquer nível prejudicial à saúde.
Além disso, os níveis de potência utilizados nas transmissões 5G são extremamente baixos. Mesmo uma estação rádio-base de cobertura ampla, como a Qualcomm – Plataforma 5G RAN para Small Cells (FSM200xx), que suporta 64 elementos de antena com dupla polarização e é capaz de transmitir potência superior a 40 dBm (classe 1), opera com energia muito pequena quando comparada a outras fontes de radiação do cotidiano. Para efeito de comparação, uma lâmpada incandescente de 60 W irradia cerca de 47,8 dBm, o que representa muito mais energia térmica do que uma antena 5G. Mesmo nas estações macro, a potência típica por setor gira em torno de 30 dBm, valor muito inferior ao de dispositivos elétricos domésticos comuns. Embora 47,8 dBm possa parecer apenas um pouco acima de 40 dBm, é importante lembrar que a escala de decibéis é logarítmica – a cada aumento de 3 dB, a potência dobra – de modo que uma diferença de 7,8 dB entre a lâmpada e a estação 5G representa várias vezes mais energia irradiada em termos absolutos.
Em dispositivos móveis, como smartphones, a potência média é ainda menor, geralmente entre 20 e 23 dBm, o que corresponde a apenas 100 a 200 mW, valores insuficientes para causar qualquer alteração biológica mensurável.
No Brasil, o controle sobre esses limites é rigoroso. A Resolução nº 700, de 28 de setembro de 2018, da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), que estabelece os limites de exposição a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos na faixa de 8,3 kHz a 300 GHz, está alinhada às diretrizes internacionais da ICNIRP (International Commission on Non-Ionizing Radiation Protection).
A ICNIRP descreve os limiares biológicos que servem de base para a definição dos limites de exposição humana à radiação de radiofrequência. Esses limiares se baseiam em três mecanismos fisiológicos principais: estimulação neural, aumento de temperatura e alterações na permeabilidade das membranas celulares.
O primeiro ocorre apenas em frequências mais baixas, inferiores a 10 MHz, quando os campos elétricos podem induzir correntes dentro do corpo humano e provocar pequenas respostas nos tecidos nervosos e musculares. Em frequências mais elevadas, como as empregadas em telecomunicações, esse efeito deixa de ocorrer e o principal fenômeno associado passa a ser o aquecimento tecidual resultante da absorção de energia eletromagnética.
O segundo é o aumento de temperatura, que constitui o efeito dominante na faixa de radiofrequências utilizada por sistemas de comunicação sem fio. A ICNIRP destaca que a absorção de energia de radiofrequência pode elevar a temperatura dos tecidos, mas apenas em níveis muito superiores aos encontrados em situações reais de exposição. Estudos experimentais demonstram que danos teciduais só ocorrem quando a temperatura local excede entre 41 °C e 43 °C, dependendo do tipo de tecido e da duração da exposição. Para garantir ampla margem de segurança, as diretrizes estabelecem limites que impedem elevações superiores a 2 °C em órgãos internos e 5 °C em tecidos superficiais, como a pele e os membros. Esses valores correspondem a níveis de SAR e densidade de potência muito acima das condições observadas em transmissões 5G, em que o aumento de temperatura é inferior a 1 °C e fisiologicamente insignificante.
O terceiro mecanismo é a alteração na permeabilidade das membranas celulares, observada apenas em exposições pulsadas de altíssima intensidade e curta duração. Essas variações transitórias ocorrem em níveis de energia extremamente elevados, superiores a 5 quilowatts por quilograma (kW/kg), em frequências próximas de 18 gigahertz (GHz), valores centenas de vezes maiores que os limites de segurança adotados. A ICNIRP concluiu que esses efeitos estão diretamente associados ao excesso de energia térmica e que os limites de exposição estabelecidos para controlar o aquecimento já garantem proteção total contra qualquer alteração de membrana celular.
Esses três mecanismos constituem a base científica dos limites internacionais de exposição a radiofrequências e sustentam os parâmetros adotados pela Resolução ANATEL nº 700/2018, assegurando que as redes de telecomunicações, inclusive as tecnologias 5G, operem com ampla margem de segurança em relação aos limiares biológicos de risco.
Essas diretrizes formam a base científica da regulamentação brasileira, garantindo que as redes de comunicações móveis, incluindo o 5G, operem dentro de limites amplamente seguros para seres humanos, fauna e flora. As avaliações de campo realizadas em diversas cidades brasileiras indicam níveis de intensidade eletromagnética muito inferiores aos limites máximos permitidos, evidenciando que o impacto ambiental e biológico é praticamente nulo.
Até o momento, não há evidência científica robusta que associe a operação de estações 5G ao abandono de colmeias ou à desorientação de abelhas. Pesquisas conduzidas dentro de parâmetros reais de exposição indicam que os campos eletromagnéticos típicos das telecomunicações não produzem alterações significativas no comportamento desses insetos.
A expansão das redes de telecomunicações deve sempre observar princípios de sustentabilidade ambiental, responsabilidade técnica e licenciamento pelos órgãos competentes, mas o debate precisa estar fundamentado em dados científicos e não em fake news.
A engenharia, ao seguir normas nacionais e internacionais de segurança, é uma aliada da preservação ambiental e da inovação tecnológica, assegurando que o avanço digital ocorra de forma segura, transparente e sustentável. Combater a desinformação também é uma forma de engenharia, pois significa aplicar o conhecimento técnico em defesa da verdade científica e do interesse coletivo.
Eng. Eletric. Rogerio Moreira Lima Silva, Mestre e Doutor em Engenharia Elétrica/Telecom
Diretor da ABTELECOM | Especialista da ABEE Nacional | 1º Secretário da ABEE-MA | Coordenador da CAPA e da CEALOS do CREA-MA | Diretor de Relações Institucionais da AMC | Membro da ABRACOPEL | Professor da UEMA
—
Referências Técnicas
ANATEL – Resolução nº 700, de 28 de setembro de 2018. Limites de exposição a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos na faixa de 8,3 kHz a 300 GHz.
ICNIRP – Guidelines for Limiting Exposure to Electromagnetic Fields (100 kHz to 300 GHz). Health Physics, vol. 118, nº 5, 2020.
ICNIRP – Principles for Non-Ionizing Radiation Protection. Health Physics, vol. 118, nº 5, 2020.
UIT-T – Recomendações K.52, K.61 e K.100 – Orientações para conformidade, medição e previsão numérica de campos eletromagnéticos em instalações de telecomunicações.
QUALCOMM – Plataforma 5G RAN para Small Cells (FSM200xx). Ficha técnica do fabricante, 2023.
MARTIN COOPER (MOTOROLA, 1973) – Desenvolvimento do telefone celular DynaTAC 8000X e primeira chamada móvel realizada em 3 de abril de 1973. Entrevista à AFP (2023).
Deixe uma resposta
Want to join the discussion?Feel free to contribute!