Regularização dos Serviços de Telecomunicações: ANATEL e Sistema CONFEA/CREA impulsionam Inovação com Segurança e Não Ruptura

Por Eng. Eletric. Rogerio Moreira Lima Silva
Diretor de Inovação e Estadual MA da ABTELECOM, Especialista da ABEE Nacional, Coordenador da CAPA e CEALOS do CREA-MA, 1º Secretário da ABEE-MA, Professor da UEMA e Diretor de Relações Institucionais da Academia Maranhense de Ciências

A manchete publicada pelo portal Olhar Digital, intitulada “ANATEL: milhares de provedoras de internet fixa se tornam clandestinas hoje”, gerou apreensão entre as Prestadoras de Pequeno Porte (PPPs), fundamentais para a interiorização da conectividade e a inclusão digital no país. No entanto, uma leitura técnica e regulatória mais cuidadosa revela um cenário oposto. A Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) não está promovendo uma ruptura, mas conduzindo um processo responsável de regularização e fortalecimento institucional, orientado pela segurança, pela transparência e pela valorização da engenharia.

Em 27 de junho de 2025, o Conselho Diretor da ANATEL aprovou a Resolução Interna nº 449/2025, que instituiu o Plano de Ação para o Combate à Concorrência Desleal e para a Regularização da Prestação do Serviço de Comunicação Multimídia (SCM). O documento reconhece o papel essencial das PPPs na expansão da banda larga, inclusive em regiões menos atrativas economicamente, e busca equilibrar a livre concorrência com a segurança jurídica no setor. O plano definiu prazo de 120 dias para que as prestadoras em situação irregular se adequem, priorizando medidas orientativas antes de qualquer ação sancionatória.

Antes dessa resolução, a Agência já havia publicado a Resolução Interna nº 428/2025, em 30 de abril, que estabeleceu o prazo de 180 dias para adequação das empresas às exigências de segurança do trabalho, prevenção de acidentes e regularidade fiscal. Essa sequência evidencia que a ANATEL atua com planejamento e prudência, adotando primeiro medidas educativas e de apoio técnico e, em seguida, mecanismos de regularização e fiscalização.

A política de segurança técnica da Agência foi ampliada em agosto de 2025 com a publicação da Resolução nº 780/2025, que alterou o Regulamento de Avaliação da Conformidade e de Homologação de Produtos para Telecomunicações. Essa norma incluiu o Título VI-A, que trata da avaliação da conformidade e da homologação de data centers que integram as redes de telecomunicações, criando um novo marco regulatório de proteção da infraestrutura crítica digital do país.

Os data centers vinculados a redes de telecomunicações deverão ser avaliados e certificados antes do início de suas operações. O procedimento operacional de certificação será publicado em até 240 dias após a entrada em vigor da norma, e os data centers já em operação terão três anos para se adequar. Entre os requisitos de avaliação estão a segurança física das instalações, a resiliência operacional contínua, a segurança cibernética contra ataques e invasões, a eficiência energética e a sustentabilidade ambiental.

Com essa medida, a ANATEL avança na proteção da soberania digital e da infraestrutura de dados do país, assegurando que apenas data centers certificados possam ser utilizados por prestadoras de telecomunicações. A Resolução nº 780/2025 representa uma evolução natural do processo regulatório, complementando as Resoluções nº 428 e nº 449 e criando uma arquitetura de segurança que abrange o trabalho humano, as redes físicas e os ambientes digitais.

Essa estrutura de governança técnica também dialoga com as ações do Sistema CONFEA/CREA. A Decisão Plenária CONFEA nº 1.744/2021 instituiu a Fiscalização Nacional dos Provedores de Internet com base em proposição da Coordenadoria de Câmaras Especializadas de Engenharia Elétrica (CCEEE). Essa decisão surgiu diante do aumento de acidentes com trabalhadores de provedores de internet, inclusive fatais, em empresas sem registro ou sem responsável técnico. O plenário determinou que os CREAs desenvolvessem ações conjuntas e preventivas, com uso de métodos modernos e inteligentes de fiscalização. A medida foi aprovada por ampla maioria e consolidou uma política nacional de acompanhamento técnico das atividades de telecomunicações, reforçando o papel do Sistema CONFEA/CREA na defesa da sociedade e na prevenção de sinistros.

Essa integração entre ANATEL e CONFEA traduz-se em uma política pública coordenada, na qual a Agência regula e fiscaliza os serviços, enquanto o Sistema CONFEA/CREA garante que as atividades sejam executadas por profissionais habilitados e sob responsabilidade técnica. A soma dessas atuações fortalece o ambiente regulatório e aumenta a segurança das redes e dos trabalhadores.

O Sistema CONFEA/CREA é composto por 28 autarquias federais, sendo o CONFEA o órgão nacional e os 27 CREAs as unidades regionais. Todas possuem autonomia administrativa e financeira e não estão vinculadas a ministérios, o que assegura independência técnica e presença em todo o território brasileiro.

Nas telecomunicações, essa integração é essencial. O Brasil possui uma dupla regulação complementar: a ANATEL, responsável pela prestação dos serviços de telecomunicações conforme a Lei nº 9.472/1997, e o Sistema CONFEA/CREA, que fiscaliza o exercício profissional e a responsabilidade técnica conforme a Lei nº 5.194/1966 e a Lei nº 6.496/1977, que institui a Anotação de Responsabilidade Técnica (ART). Essa atuação coordenada garante segurança jurídica, qualidade técnica e proteção à sociedade.

O planejamento, o estudo, o projeto, a execução e a fiscalização de obras e serviços técnicos de telecomunicações são atividades características da engenharia e de competência dos engenheiros eletricistas, eletrônicos, de telecomunicações e de computação, conforme os artigos 1º, 7º e 27 da Lei nº 5.194/1966, o artigo 9º da Resolução CONFEA nº 218/1973 e o artigo 1º da Resolução CONFEA nº 380/1993. Essas normas sustentam o tripé técnico das telecomunicações: Análise Espectral, Eletromagnetismo e Teoria Estatística das Comunicações.

A Análise Espectral fundamenta-se na Transformada de Fourier, que permite decompor os sinais em suas componentes de frequência e compreender o espectro utilizado na transmissão de dados. Esse princípio é a base tanto das comunicações ópticas quanto das comunicações por rádio e das redes móveis de quinta geração (5G).

Nas redes ópticas, a análise espectral é empregada para definir as janelas de transmissão, que correspondem às faixas de menor atenuação e dispersão, garantindo eficiência e estabilidade na propagação da luz. As três janelas ópticas de maior relevância situam-se ao redor de 850 nm, 1300 nm e 1550 nm, comprimentos de onda que apresentam as menores perdas e o melhor desempenho em longas distâncias. Essas faixas estão na região do infravermelho próximo, onde as fibras ópticas monomodo apresentam mínima dispersão dos pulsos e ampla largura de banda, possibilitando a transmissão de grandes volumes de dados com elevada confiabilidade. Essa eficiência resulta da precisão com que a luz é confinada no núcleo da fibra, cujo índice de refração é ligeiramente superior ao da casca, permitindo o fenômeno da reflexão interna total e garantindo o guiamento da onda eletromagnética com baixíssima degradação do sinal.

Nas comunicações por rádio e nas redes 5G, a análise espectral é igualmente essencial para o uso racional e eficiente do espectro de frequências, recurso escasso e de alto valor estratégico. A título de exemplo, o 5G no Brasil opera principalmente nas faixas de 2,3 GHz, 3,5 GHz e 26 GHz, cada uma destinada a diferentes aplicações: a primeira voltada à cobertura ampla e estável, a segunda ao equilíbrio entre alcance e capacidade, e a terceira, em ondas milimétricas, voltada a altíssimas taxas de transmissão e baixa latência. O domínio da análise espectral permite aplicar técnicas como OFDM (Orthogonal Frequency Division Multiplexing) e MIMO (Multiple Input Multiple Output), que aumentam a eficiência espectral, reduzem interferências e otimizam o desempenho das redes de próxima geração.

O Eletromagnetismo, descrito pelas Equações de Maxwell e de Helmholtz, explica como as ondas eletromagnéticas se propagam e interagem tanto em espaço livre quanto em espaço confinado, sustentando o princípio físico que torna possível tanto o 5G quanto as comunicações ópticas. Essa precisão física e matemática é o que permite à engenharia de telecomunicações controlar parâmetros como dispersão, atenuação e largura de banda, garantindo a segurança, a estabilidade e a confiabilidade dos enlaces ópticos modernos, seja via rádio seja por fibra óptica.

A Teoria Estatística das Comunicações, baseada em processos estocásticos, descreve o comportamento aleatório dos sinais e do ruído, permitindo quantificar a confiabilidade e a capacidade de transmissão de um canal. Essa teoria também possibilita avaliar os efeitos de multipercurso e seletividade, determinando as faixas em que o canal apresenta desvanecimento plano (flat fading), condição em que todas as frequências sofrem atenuação semelhante.

De acordo com o Anuário Estatístico de Acidentes de Origem Elétrica 2025, elaborado pela ABRACOPEL, as medidas implementadas já apresentam resultados expressivos. As mortes de trabalhadores de telecomunicações caíram 52% em 2024 em relação a 2023, resultado direto da intensificação da fiscalização e da exigência de conformidade técnica. Ainda assim, o número permanece 200% acima do registrado em 2015, mantendo o setor entre as cinco atividades com mais mortes por choque elétrico no país.

Outro ponto de preocupação é a infiltração do crime organizado no setor de provedores de internet, especialmente nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro e de Fortaleza, onde milícias e facções criminosas exploram redes clandestinas. Essa prática ameaça a segurança pública, fragiliza as infraestruturas e distorce o ambiente competitivo.

O enfrentamento à clandestinidade técnica, à criminalidade econômica e às vulnerabilidades digitais é uma necessidade urgente e coletiva. Esses fenômenos colocam em risco a confiabilidade das redes, a segurança dos profissionais e a proteção dos dados.

As ações coordenadas da ANATEL e do Sistema CONFEA/CREA representam um avanço efetivo nesse cenário. Enquanto a ANATEL fortalece a regulação e promove transparência, o Sistema CONFEA/CREA assegura que as atividades técnicas sejam conduzidas por profissionais legalmente habilitados e comprometidos com a segurança.

A convergência dessas autarquias federais traduz-se em mais proteção à sociedade, redução de riscos operacionais e fortalecimento da infraestrutura digital brasileira. Regularizar é preservar vidas, garantir o funcionamento seguro das redes e promover a inovação com responsabilidade.

Em um país cada vez mais dependente de suas infraestruturas críticas, a segurança física, técnica, operacional e cibernética forma o novo quadrante de sustentação das telecomunicações. A consolidação dessa governança técnica é o que permitirá ao Brasil avançar com inovação, estabilidade e soberania digital.

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