Engenharia de Computação e Telecomunicações: A Convergência que Impulsiona a Transformação Digital
A engenharia foi regulamentada no Brasil em 11 de dezembro de 1933, data em que também foram criados o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (CONFEA) e os Conselhos Regionais de Engenharia e Agronomia (CREAs), instituindo o sistema de fiscalização profissional das atividades técnicas de engenharia, agronomia e demais profissões correlatas. Em 18 de agosto de 1952, dezoito anos e oito meses após a regulamentação da engenharia, o CONFEA reconheceu oficialmente o exercício, por profissionais de grau superior, da especialidade de telecomunicação, por meio da Resolução CONFEA nº 78/1952. Essa norma foi pioneira ao estabelecer o escopo das atribuições dos engenheiros eletricistas e mecânicos-eletricistas, fixando como competências o estudo, projeto, direção, fiscalização e montagem de estações de telecomunicações sem fios, o estudo e projeto das redes de telecomunicação sem fios, o estudo, projeto, direção, fiscalização e montagem das estações de telecomunicação com fios, e o estudo, projeto, direção, fiscalização e instalação das redes de telecomunicação com fios. O artigo 2º da resolução dispôs que as atribuições dos engenheiros em telecomunicação, diplomados por escolas oficiais ou reconhecidas pelo Governo, seriam idênticas às mencionadas no artigo 1º, acrescidas daquelas previstas em seus currículos. Já o artigo 3º apresentou uma definição notavelmente moderna para a época, conceituando serviço de telecomunicação como “qualquer emissão, transmissão e recepção de sinais, imagens ou sons de qualquer natureza, usando princípios elétricos, sônicos, óticos ou outros quaisquer, através de qualquer meio”.
Ressalta-se que as telecomunicações foram incorporadas como atividade característica da engenharia em 24 de dezembro de 1966, com a promulgação da Lei nº 5.194/1966, em especial pelos arts. 1º, alínea “b”, e 7º, que estabeleceram as bases legais para o exercício das profissões de engenheiro e engenheiro-agrônomo, definindo as atividades técnicas próprias da engenharia e as atribuições privativas desses profissionais. Em 29 de junho de 1973, o CONFEA editou a Resolução nº 218/1973, que organizou e sistematizou as modalidades profissionais da engenharia e da agronomia, estabelecendo no artigo 9º que compete ao engenheiro eletrônico, ao engenheiro eletricista, modalidade eletrônica, ou ao engenheiro de comunicação o desempenho das atividades profissionais referentes a materiais elétricos e eletrônicos, equipamentos eletrônicos em geral, sistemas de comunicação e telecomunicações, sistemas de medição e controle elétrico e eletrônico e seus serviços afins e correlatos. Essa resolução manteve a regulamentação das telecomunicações no âmbito da engenharia elétrica, consolidando o enquadramento técnico e profissional das atividades ligadas à transmissão, emissão e recepção de sinais como campo próprio dos engenheiros eletricistas, eletrônicos e de comunicação, conforme previsto na Lei nº 5.194/1966. A Resolução CONFEA nº 218/1973 também revogou expressamente a Resolução CONFEA nº 78/1952, atualizando e ampliando o enquadramento das atribuições profissionais à luz das novas realidades tecnológicas e acadêmicas da engenharia brasileira.
Em 1993, a Resolução CONFEA nº 380/1993 definiu que as telecomunicações também constituíam atribuições específicas do engenheiro de computação, acompanhando a evolução tecnológica e o surgimento das redes digitais. No entanto, essa resolução teve caráter provisório, atribuindo aos engenheiros de computação competências transitórias, uma vez que os cursos dessa modalidade ainda se encontravam em consolidação e careciam de diretrizes curriculares nacionais que delimitassem com precisão seus campos de atuação. Assim, o engenheiro de computação permaneceu por mais de três décadas com atribuições provisórias, até que, em 2025, o CONFEA consolidou definitivamente sua regulamentação profissional.
A Resolução CONFEA nº 1.156/2025 regulamentou, de forma definitiva, que compete ao engenheiro de computação, ou ao engenheiro computacional, ou ao engenheiro de computação e informação, ou ao engenheiro eletricista com ênfase em computação, as atribuições previstas no artigo 7º da Lei nº 5.194/1966, combinadas com as atividades 01 a 18 do artigo 5º, §1º, da Resolução CONFEA nº 1.073/2016, referentes à análise de sistemas computacionais, materiais elétricos e eletrônicos, equipamentos eletrônicos em geral, sistemas de comunicação e telecomunicações, sistemas de medição e controle elétrico e eletrônico e seus serviços afins e correlatos. Assim, a nova resolução consolidou de forma definitiva as atividades técnicas em telecomunicações como de competência também dos engenheiros de computação, assegurando a integração plena dessa modalidade no conjunto das engenharias da modalidade eletricista.
Cumpre registrar que a Resolução CONFEA nº 1.156, de 24 de outubro de 2025, também promoveu a consolidação normativa da modalidade eletricista ao revogar expressamente os dispositivos e resoluções anteriores que tratavam das atribuições profissionais de forma fragmentada. Foram revogados os arts. 8º e 9º da Resolução nº 218, de 30 de junho de 1973; a Resolução nº 380, de 17 de dezembro de 1993; a Resolução nº 427, de 5 de março de 1999; a Resolução nº 1.076, de 5 de julho de 2016; a Resolução nº 1.100, de 24 de maio de 2018; a Resolução nº 1.103, de 26 de julho de 2018; e os arts. 3º, 11, 12, 13 e 14 da Resolução nº 1.129, de 11 de dezembro de 2020. Essas revogações representaram a unificação do conjunto normativo que tratava das atribuições de todos os engenheiros do grupo engenharia modalidade eletricista, resultando em um instrumento único, coerente com a evolução tecnológica e com as diretrizes curriculares da engenharia contemporânea.
Com o avanço tecnológico das telecomunicações e a necessidade de um marco regulatório unificado, foi instituída em 16 de julho de 1997 a Lei nº 9.472, conhecida como Lei Geral de Telecomunicações (LGT), que criou a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), autarquia especial responsável por regular, fiscalizar e desenvolver o setor de telecomunicações no Brasil. O artigo 60 da Lei nº 9.472/1997 define expressamente que o serviço de telecomunicação envolve a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza. Essa redação, que permanece em vigor, tornou-se a base conceitual do ordenamento jurídico brasileiro sobre o tema, consagrando e reafirmando o entendimento técnico-científico já consolidado no Sistema CONFEA/CREA desde 1952 e reforçando a natureza essencialmente eletromagnética da comunicação moderna.
Quando se trata da natureza eletromagnética das telecomunicações, é importante compreender que todo o processo de emissão, transmissão e recepção de sinais ocorre por meio de ondas eletromagnéticas. São exemplos de sistemas e meios de transmissão baseados nesse princípio o rádio, o 5G, o cabo coaxial e a fibra óptica, entre outros. Enquanto o rádio e o 5G utilizam o espectro de radiofrequências, o cabo coaxial e a fibra óptica propagam os sinais eletromagnéticos em meios físicos, sendo que, atualmente, as operadoras de TV a Cabo vêm migrando de redes HFC (híbridas de fibra óptica e cabo coaxial) para redes GPON (Gigabit Passive Optical Network), que utilizam fibra óptica até a última milha, garantindo maior capacidade e eficiência na transmissão de dados.
Essa definição é muito semelhante àquela adotada mais de quatro décadas antes pelo art. 3º da Resolução CONFEA nº 78/1952, que conceituava o serviço de telecomunicação como “qualquer emissão, transmissão e recepção de sinais, imagens ou sons de qualquer natureza, usando princípios elétricos, sônicos, óticos ou outros quaisquer, através de qualquer meio”. Tal semelhança demonstra a consistência e a continuidade do entendimento técnico das telecomunicações como atividade da engenharia.
A fronteira entre a ciência da computação e as telecomunicações deixou de ser um limite definido para se tornar um ponto de convergência tecnológica, consolidando o surgimento de um novo profissional: o engenheiro de computação. As comunicações modernas são essencialmente digitais, e os sistemas computacionais tornaram-se o núcleo de armazenamento, controle e processamento da informação. Essa integração entre hardware, software e redes de telecomunicações sustenta a infraestrutura da transformação digital e redefine os contornos da inovação no século XXI. A engenharia de computação, ao integrar fundamentos de eletrônica, automação, ciência da computação e telecomunicações, forma o profissional capaz de projetar desde dispositivos embarcados até sistemas distribuídos e infraestruturas em nuvem.
Por sua vez, as telecomunicações passaram por um processo de profunda transformação tecnológica. As antigas redes analógicas de voz, baseadas em comutação de circuitos, evoluíram para redes digitais hierarquizadas, inicialmente estruturadas sobre as tecnologias PDH (Plesiochronous Digital Hierarchy) e SDH (Synchronous Digital Hierarchy), que permitiram a multiplexação e o transporte de grandes volumes de dados com precisão temporal. Posteriormente, surgiram as redes de pacotes com o uso de Frame Relay e ATM (Asynchronous Transfer Mode), que introduziram o conceito de virtualização de canais e possibilitaram maior eficiência na comutação e no uso da largura de banda. Essa digitalização das redes culminou nas chamadas Redes de Nova Geração (NGN – Next Generation Networks), nas quais os serviços de voz, dados e vídeo convergem sobre uma única infraestrutura baseada em IP, utilizando protocolos como SIP (Session Initiation Protocol) e tecnologias de SIP Trunking, que substituíram os troncos analógicos e E1 tradicionais por enlaces digitais flexíveis e escaláveis. Atualmente, as telecomunicações avançam para redes inteligentes e programáveis sustentadas por SDN (Software Defined Networks) e NFV (Network Function Virtualization), que se apoiam em ambientes virtualizados e orientados por software, exigindo domínio de programação, processamento digital de sinais, redes IP e computação em nuvem.
Com a chegada do 5G, da Internet das Coisas (IoT) e da inteligência artificial embarcada, a interdependência entre essas duas áreas tornou-se ainda mais evidente. A arquitetura das redes de quinta geração, por exemplo, é profundamente dependente de funções virtualizadas e orquestradas em datacenters, onde algoritmos de aprendizado de máquina otimizam a alocação de recursos e o roteamento inteligente do tráfego. Nesse contexto, a engenharia de computação fornece as ferramentas de software, de hardware e também as redes de telecomunicações que garantem a robustez física, a confiabilidade e a segurança da infraestrutura.
Mais do que uma soma de competências, a integração entre computação e telecomunicações representa o coração das infraestruturas digitais contemporâneas, que incluem redes, datacenters, nuvem e sistemas embarcados. O engenheiro desse novo paradigma é o engenheiro de computação, mediador entre a energia elétrica que alimenta os bits, as telecomunicações responsáveis pela comunicação de dados e o código que transforma dados em conhecimento, desempenhando papel essencial na construção de um Brasil mais conectado, inovador e independente tecnologicamente.
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Autor:
Eng. Eletric. Rogério Moreira Lima
Diretor de Inovação da ABTELECOM
Diretor Estadual MA da ABTELECOM
Especialista da ABEE Nacional
Coordenador da CAPA e CEALOS do CREA-MA
Diretor de Relações Institucionais e Membro Titular da Cadeira nº 54 da Academia Maranhense de Ciências
1º Secretário da ABEE-MA
Professor do PECS/UEMA
Membro da ABRACOPEL e do SENGE-MA





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