Dezembro marca os 135 anos de Edwin Howard Armstrong, o engenheiro eletricista que revolucionou as telecomunicações
Dezembro marca os 135 anos do nascimento de Edwin Howard Armstrong, engenheiro eletricista cuja obra redefiniu de forma estrutural os fundamentos das telecomunicações modernas. Muito além de ser reconhecido como o inventor do rádio FM, Armstrong consolidou princípios físicos, matemáticos e arquiteturais que permanecem plenamente válidos mesmo na era digital. Sua contribuição ultrapassa a radiodifusão e alcança, de forma direta ou conceitual, praticamente todos os sistemas contemporâneos de transmissão de informação.
Nascido em Nova Iorque, em 1890, Armstrong formou-se em Engenharia Elétrica pela Universidade Columbia, instituição na qual também se tornou professor. Desde o início de sua trajetória acadêmica, destacou-se por aliar sólida formação teórica, domínio experimental e uma visão sistêmica incomum para sua época. Para Armstrong, o rádio não era um artefato empírico sujeito apenas a ajustes práticos, mas um sistema físico rigorosamente governado por leis matemáticas, especialmente no que se refere ao comportamento do ruído e ao uso eficiente do espectro eletromagnético.
Ainda no contexto de suas primeiras grandes contribuições, em 1918 Armstrong patenteou o circuito super-heteródino, arquitetura que se tornaria um divisor de águas na recepção de sinais. Contudo, já se sabia que o princípio havia sido concebido anteriormente por Lucien Lévy, fato que deu origem a uma longa e complexa disputa judicial. Ao final desse processo, Armstrong acabou por perder a paternidade formal da invenção. Ainda assim, sua contribuição técnica foi decisiva ao transformar o conceito em uma arquitetura funcional, robusta e amplamente aplicável, responsável por viabilizar sua adoção em escala global.
No ano seguinte, em 1919, ao retornar da França, onde havia atuado no serviço de telecomunicações do Exército dos Estados Unidos durante a Primeira Guerra Mundial, Armstrong envolveu-se em nova disputa judicial, desta vez com Lee De Forest, outro nome central na história do rádio. O litígio dizia respeito à prioridade da invenção do circuito de realimentação associado aos amplificadores regenerativos. Após doze anos de batalhas judiciais, a decisão final atribuiu a prioridade a De Forest, episódio que marcou profundamente a trajetória pessoal e profissional de Armstrong e evidenciou o ambiente jurídico hostil enfrentado pelos pioneiros da engenharia do rádio.
Essas controvérsias legais não se restringiram às primeiras décadas de sua carreira. Ao longo da década de 1930, a técnica de modulação em frequência desenvolvida por Armstrong tornou-se igualmente alvo de resistência institucional. À época, a modulação em amplitude dominava completamente o mercado, e as grandes empresas de comunicação haviam realizado investimentos expressivos em infraestrutura e equipamentos AM. A introdução do FM colocava esse parque tecnológico em risco de obsolescência, o que contribuiu para a desconfiança inicial e para a oposição sistemática à nova proposta.
Nesse contexto, a Federal Communications Commission (FCC), órgão responsável pela alocação do espectro nos Estados Unidos, decidiu atribuir à radiodifusão em FM a faixa atualmente em uso, entre 87,5 e 108 MHz. Armstrong, contudo, havia demonstrado tecnicamente a conveniência de uma distribuição alternativa de frequências, capaz de reduzir ruído e proporcionar áudio de alta fidelidade. Ainda assim, sua proposta não foi adotada na época, refletindo condicionantes econômicos e políticos do setor.
Entretanto, foi com a modulação em frequência que Armstrong produziu sua contribuição mais profunda e duradoura. Em um cenário dominado pela modulação em amplitude, altamente suscetível a interferências elétricas e ruídos atmosféricos, Armstrong demonstrou que a informação poderia ser transmitida por meio de variações da frequência instantânea da portadora, mantendo sua amplitude praticamente constante. Essa escolha conceitual simples e elegante alterou de forma definitiva a relação sinal-ruído dos sistemas de comunicação.
No FM, o sinal modulante não altera a amplitude da portadora, mas sim sua frequência instantânea. Isso significa que, no receptor, é necessário um processo de demodulação que extraia as variações de frequência e as converta novamente em sinais de informação. Inicialmente, o sinal recebido passa por uma etapa de limitação de amplitude, essencial para eliminar flutuações indesejadas introduzidas pelo canal de transmissão. Em seguida, o sinal é aplicado a um discriminador ou diferenciador de frequência, que realiza a conversão das variações instantâneas de frequência em variações de tensão proporcionais, recuperando assim o sinal original modulante.
Do ponto de vista espectral, esse processo produz consequências profundas sobre o comportamento do ruído. O ruído branco gaussiano presente na entrada do receptor possui densidade espectral de potência aproximadamente constante ao longo da frequência. Contudo, a operação de diferenciação inerente à demodulação em FM modifica esse cenário de forma significativa. Pela análise no domínio da frequência, obtida por meio da Transformada de Fourier, sabe-se que a derivada de um sinal no tempo corresponde à multiplicação de seu espectro por um fator proporcional à frequência. Como a densidade espectral de potência é proporcional ao módulo ao quadrado do espectro, o efeito da diferenciação faz com que a densidade espectral do ruído cresça quadraticamente com a frequência.
Como consequência direta, após o diferenciador, a maior parte da energia do ruído concentra-se nas componentes espectrais de alta frequência, enquanto a faixa de baixas frequências, onde se encontra o conteúdo informacional do sinal de áudio, permanece relativamente menos afetada. Esse deslocamento espectral permite que, após a demodulação, a aplicação de um simples filtro passa-baixas seja suficiente para atenuar significativamente o ruído residual, preservando o sinal útil. A combinação entre modulação angular, limitação de amplitude, diferenciação e filtragem constitui o fundamento físico e matemático da elevada imunidade ao ruído do FM e de sua reconhecida fidelidade sonora. Trata-se de um ganho estrutural da arquitetura do sistema, e não de uma melhoria incremental.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Armstrong voltou a contribuir de forma decisiva para o avanço das telecomunicações, participando do aperfeiçoamento da modulação em frequência aplicada a enlaces de longa distância e a sistemas de radar de onda contínua, reforçando o caráter estratégico e militar de suas ideias.
Em 1953, apresentou sua última grande invenção, um sistema de multiplexação em modulação de frequência, conhecido como FM Multiplexing, que permitia a transmissão simultânea de mais de um programa no mesmo comprimento de onda, sem a necessidade de alterar a frequência da portadora. Esse princípio antecipou conceitos que se tornariam centrais nos sistemas modernos de transmissão multicanal.
Nos anos finais de sua vida, e pouco antes de expirarem os prazos legais de suas patentes, Armstrong foi pressionado a aceitar um acordo financeiro com a RCA para cobrir os elevados custos acumulados ao longo de décadas de disputas judiciais. Enfrentando grave desgaste emocional e financeiro, ele suicidou-se em 31 de janeiro de 1954, lançando-se do 13º andar de sua residência em Nova York. Na nota deixada para sua esposa, escreveu: “Que Deus o ajude e tenha piedade de minha alma”. Sua esposa, Marion, que havia sido secretária de David Sarnoff, então presidente da RCA, antes do casamento, retomou posteriormente a disputa judicial relacionada às patentes e, ao final da década de 1970, obteve decisões favoráveis que reconheceram a relevância e a originalidade das contribuições de Armstrong.
O legado de Armstrong, contudo, não se encerra no rádio analógico. Há uma linha conceitual clara que conecta a modulação em frequência aos sistemas digitais modernos. Os atributos buscados por Armstrong, eficiência espectral e robustez frente ao ruído, passaram a ser perseguidos, décadas depois, no domínio digital, à medida que a engenharia enfrentou novos desafios associados à crescente demanda por capacidade.
No contexto digital, técnicas de modulação como a Frequency Shift Keying (FSK) apresentam limitações importantes. Quando utilizada a modulação FSK simples gera um componente DC se a portadora central estiver exatamente em fc ± rb/2, o que pode introduzir interferências e degradação do sinal em receptores digitais. A modulação FSK também não possibilita alta eficiência espectral, propriedade essencial em um mundo que demanda cada vez mais por banda larga móvel, assim os problemas de componente contínua (DC) e baixa eficiência espectral são as razões pelas quais o FSK não é amplamente usado em sistemas digitais modernos de alta capacidade.
Para superar essas limitações, a engenharia digital recorreu à Modulação por Amplitude em Quadratura (QAM). O QAM herda o conceito fundamental de modulação angular explorado no FM e no FSK, mas em vez de variar a frequência da portadora, de maneira contínua ou discreta, codifica a informação em variações discretas de fase e amplitude simultâneas. Isso permite transmitir múltiplos bits por símbolo, aumentando a eficiência espectral e eliminando os problemas de componente DC associados à FSK. Além disso, o QAM oferece equilíbrio entre robustez frente ao ruído e eficiência espectral, características essenciais para transmissões de alta velocidade e sistemas de comunicação digital modernos.
Enquanto no FM a informação é transmitida pela variação contínua da frequência e na FSK por mudanças discretas da frequência, no QAM a informação é representada por pontos de constelação em um plano complexo, combinando amplitude e fase. Essa abordagem mantém o princípio de modulação angular, mas explora a fase da portadora em vez da frequência, permitindo esquemas de alta ordem, como QAM-64, QAM-256, QAM-512 ou constelações de ordem mais elevada, adequadas a canais digitais de alta capacidade.
A evolução mais recente dessa família de técnicas é o Mapeamento de Constelação Não Uniforme, NUC-QAM. Diferentemente da QAM uniforme, na qual os pontos da constelação são organizados de forma regular e equidistante, o NUC-QAM ajusta a posição desses pontos de maneira assimétrica, otimizando a constelação para condições específicas de canal e de relação sinal-ruído. O objetivo é aproximar a distribuição estatística do sinal transmitido da distribuição gaussiana teórica descrita por Shannon, maximizando a capacidade do canal.
O principal benefício do NUC-QAM é o ganho de modelagem, que permite reduzir a taxa de erro de bits para uma mesma potência média ou, alternativamente, aumentar a taxa de dados sem ampliar a largura de banda ocupada. Embora alguns símbolos estejam associados a níveis de energia mais baixos, o redesenho global da constelação equilibra distâncias, probabilidades e energia média, resultando em melhor desempenho global e maior eficiência espectral.
No Brasil, essas discussões assumem caráter estratégico no contexto do projeto da TV 3.0. A adoção de modulações avançadas baseadas em QAM de alta ordem e em constelações não uniformes permite ampliar a robustez da recepção, a eficiência espectral e a cobertura do serviço, ao mesmo tempo em que otimiza o uso de um espectro cada vez mais disputado. O planejamento regulatório do espectro depende diretamente desse tipo de escolha tecnológica, que exige sólido embasamento de engenharia.
É nesse cenário que a ABTELECOM, Associação Brasileira de Telecomunicações, exerce papel fundamental ao esclarecer engenheiros, pesquisadores, profissionais do setor e especialistas em regulação, inclusive por meio da valorização da história das telecomunicações. Sua atuação contribui para qualificar o debate técnico nacional, fortalecendo a conexão entre inovação tecnológica, planejamento regulatório e interesse público.
Celebrar os 135 anos de Edwin Howard Armstrong é, portanto, reconhecer o papel central do engenheiro na construção da infraestrutura invisível que sustenta a sociedade digital. Do diferenciador do FM às constelações não uniformes da QAM, os princípios formulados por Armstrong permanecem atuais, tecnicamente sólidos e indispensáveis para compreender os desafios presentes e futuros das telecomunicações.
Rogério Moreira Lima
Diretor de Inovação e Estadual MA da ABTELECOM
Especialista da ABEE Nacional
Embaixador da ABRACOPEL
Coordenador da CAPA e da CEALOS do CREA-MA
Diretor de Relações Institucionais da Academia Maranhense de Ciências
1° secretário da ABEE-MA
Membro do SENGE-MA e do CEM
Professor da UEMA
Referências
ARMSTRONG, Edwin Howard. A method of reducing disturbances in radio signaling by a system of frequency modulation. Proceedings of the Institute of Radio Engineers, New York, v. 24, n. 5, p. 689–740, 1936.
ARMSTRONG, Edwin Howard. Edwin Armstrong. Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Edwin_Armstrong. Acesso em: 21 dez. 2025.
CARLSON, A. Bruce; CRILLY, Paul B.; RUTLEDGE, Janet C. Communication systems: an introduction to signal and noise in electrical communication. 4. ed. New York: McGraw-Hill, 2002.
HAYKIN, Simon; MOHER, Michel. Introduction to analog & digital communication. 2. ed. Hoboken: John Wiley & Sons, Inc., 2007.
LESSING, Lawrence. Man of high fidelity: Edwin Howard Armstrong. New York: Bantam Books, 1969.
PROAKIS, John G.; SALEHI, Masoud. Digital communications. 5. ed. New York: McGraw-Hill, 2007.
SHANNON, Claude Elwood. A mathematical theory of communication. Bell System Technical Journal, New York, v. 27, p. 379–423, 623–656, 1948.





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