Semicondutores. Da crise à oportunidade: podemos perdê-la?

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Por Paulo Sérgio Galvão

 

O Plano Brasil de Semicondutores, ambicioso para o histórico do país, precisa ser implementado como uma política de Estado, de forma que não o seja apenas desse ou daquele governo, como tem sido nossa infeliz prática.

Trata-se de tema inquestionavelmente estratégico, haja vista o posicionamento de países mais poderosos, como faz exemplo os USA, com a recente aprovação pelo seu Congresso, unidos os partidos, democratas e republicanos, de US$50 bilhões para financiar a produção de novos chips (US$30 bilhões), a expansão das fábricas já existentes (US$10 bilhões), assim como a pesquisa e desenvolvimento específicos (US$11 bilhões), para não dependerem mais da importação da Ásia.

Os recentes problemas de abastecimento desses componentes fundamentais à indústria moderna, levaram, em meses recentes, à perda de nossa produção de 370 mil veículos automotores, de 12% nos fornecimentos ao setor eletroeletrônico, com até 78% das fábricas tendo enfrentado, em algum momento, problemas para se abastecer.

E por vários motivos, tais como uma crise global de demanda que torna a fila para aquisição longa, problemas logísticos para receber os produtos vindos da Ásia e restrições e lockdowns impostos no começo do ano na China. Da mesma forma, o conflito entre a Rússia e a Ucrânia atingiu regiões que produzem insumos necessários à fabricação de semicondutores, como gás neônio e paládio. Outra consequência impactante foi na logística, com o aumento do preço do frete, a dificuldade em reservar contêineres e atrasos nas entregas.

Nesse cenário internacional, confuso pelas incertezas da guerra, somado aos problemas no suprimento, que ainda persistirão pelo menos até 2026, de acordo com estudos recentes, a capacidade de produção das indústrias será limitada e deverá pressionar seus custos e, por consequência, seus preços.

Parece, portanto, o enredo onde cabe buscar novos atores, capazes de forma cooperativa de encontrarem caminhos que lhes deem relativa independência no encaminhamento de soluções adequadas. E é neste contexto que surge a possibilidade de juntar estrategicamente os recursos colocados à disposição do Brasil pelo fundo soberano do Reino da Arábia Saudita (Public Investment Fund – PIF), da ordem de US$10 bilhões, para investimentos nas áreas de produção de grãos, fertilizantes e semicondutores em nosso país.

Esta poderia ser nossa janela de oportunidade para o enfrentamento da crise existente, tornando nossas indústrias, dos dois países, mais fortes e independentes, iniciando com essa alocação de recursos financeiros, a agregação de valor ao plano referido, que já está com outras ações em curso, em vários de seus eixos transversais a toda a cadeia produtiva.

Assim, seriam facilitados os processos em curso, de responsabilidade das Agências de Fomento, da FINEP, da EMBRAPII, do BNDES, dos ICT, entre outros. No caso do PIF, o acordo operacional poderia ser feito com o BNDES, instituição nacional capaz de realizar, com sucesso, as atividades e providências que se fizerem necessárias ao repasse dos recursos até às empresas interessadas, qualquer que seja o modelo de política econômica vigente.

Parece, por tudo isso, fundamental que se trabalhe seriamente sobre a oportunidade existente, para o país desenvolver uma sólida capacidade produtiva de semicondutores, de forma a também apoiar e abastecer o mercado saudita que, por sua vez, terá o poder de repercuti-lo na Liga Árabe, com seus demais 21 países e mais de 200 milhões de habitantes.

Paulo Sérgio Galvão é mestre em Sistemas de Gestão Integrados, pelo LATEC/UFF, com larga experiência no setor eletroeletrônico, e exerce atualmente o cargo de Diretor de Planejamento da Associação Brasileira de Telecomunicações (ABTelecom). Também é coordenador nacional do grupo informal Brasil-Arábia Saudita sobre produção conjunta de semicondutores.

 

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