IA: especialistas alertam que proposta de regulação da UE não serve de modelo para o Brasil
A proposta de atualização regulatória de Inteligência Artificial (IA) da União Europeia é conservadora, de redação ambígua, e complexa para ser executada – portanto, não deveria servir como documento único de referência para a comissão de juristas responsável pela elaboração de um anteprojeto de regulação de IA no Senado brasileiro.
Esta é a opinião de três especialistas ouvidas por Mobile Time sobre o assunto. “Não consigo visualizar como esta proposta europeia se transformaria num projeto de lei. É um documento com definições importantes, mas traz muitos adjetivos e contraria a forma como funciona a tecnologia, ou seja, não é exequível”, afirma Dora Kaufman, professora do TIDD (Tecnologia de Inteligências e Design Digital) da PUC-SP, e estudiosa sobre os impactos éticos e sociais da IA.
Kaufman lembra que, na Europa, a proposta está em discussão desde 2018, o que tem sido bom para que parlamentares e sociedade se familiarizem com o tema. “O positivo deste texto é que traz a definição de IA por categoria de risco. Entretanto, fala que a maioria das aplicações é de baixo risco e, para regulação, o que importa são as de alto risco. Outra coisa é que recomendam a criação de uma agência geral europeia de regulação e isso não pode dar certo”, completa.
Loren Spíndola, coordenadora do grupo de trabalho de IA da Abes (Associação Brasileira de Software) e Brazil Public Policy Lead da Microsoft, concorda que a lei brasileira deve definir princípios, mas que a regulação deve ser feita a partir de cada agência de cada setor. “Não se trata de uma legislação definitiva, eles (a Europa) estão longe disso. É uma proposta ainda – que é ampla, muito longa e já bane uma série de coisas que pode engessar a inovação”, aponta Spíndola, em referência à recomendação da EDPB (Autoridade Europeia de Proteção de Dados, em inglês) que o reconhecimento facial seja banido de todo o bloco.
“Uma coisa que a gente pode, sim, aprender com a União Europeia é o debate: lá foram criadas comissões com a sociedade, o mercado e a academia. Precisamos amadurecer a conversa, sempre com princípios claros e diretrizes de onde queremos chegar, sem impedir nada”, lembra.
Abordagem conservadora
Patrícia Peck, CEO e fundadora do escritório Peck Advogados e conselheira da ANPD, acredita que o modelo da UE até poderia servir como referência, entretanto sua abordagem é conservadora. “Se o Brasil quer estimular mais o ecossistema de inovação e gerar dinamismo regulatório pode ser importante fazer uma mescla com o modelo dos EUA que, em vez de ter uma legislação horizontal, traz regulamentações verticais setorizadas com um formato de autorregulação e mais proximidade do mercado. Isso permite regras mais específicas e compatíveis com as particularidades de cada aplicação de IA no contexto de indústria”, pondera.
Peck defende a criação de comitês de supervisão e, assim como Kaufman e Spíndola, uma regulação multissetorial. “Acredito que é importante criar um Observatório Nacional de Ética e Transparência de IA que seja multissetorial, mas não precisa criar mais uma autoridade fiscalizadora. O modelo americano fiscalizador é setorial”, compara.
Cingapura
Spíndola cita iniciativas de outros países que deveriam ser levadas em consideração, como Cingapura, que tem o Skills Future Credit, um programa de educação que pretende capacitar os cidadãos em Inteligência Artificial. Kaufman também considera este programa uma referência de política pública, pois “o capital humano é fundamental para a realização de um ecossistema de IA próspero e bem-sucedido”.
China, Reino Unido, Coreia do Sul e Canadá também foram países citados com propostas interessantes, que discutem caminhos para a IA baseados na ética e no debate – a maioria utilizando como base os princípios definidos pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Entretanto, o assunto ainda está no começo e muito longe de ser esgotado. “A própria OCDE demorou oito meses para criar o conceito de IA. E que ainda não é consenso”, observa Spíndola.
Fonte: Mobile Time